terça-feira, dezembro 27

Quase Texto

Resolvi sentar e escrever. Escrever sem nada para dizer. Apenas jogar palavras em uma folha (tela) em branco. Juntar letras como uma criança montando um quebra-cabeça sem sentido aparente, mas que trabalha por um conjunto.

Resolvi escrever qualquer coisa que estivesse vindo. E ainda sem saber o que falar as palavras foram surgindo. Uma atrás da outra, seguindo sem motivos como os ratos seguindo o flautista de Hamelin para fora da cidade rumo ao desconhecido. Um lugar onde eles não iriam sobreviver tão facilmente.

Dificilmente um texto desses vai sobreviver ao tempo. Já nasceu sem motivos, sem objetivos e sem esperança. Quase como Macunaíma, que também nasceu sem esperanças. Macunaíma sobreviveu ao tempo. Deve ter sido escrito no fim de abril. Touros teimam. Ele teimou em ficar. Mas são poucos que conseguem uma façanha de nascer sem motivos e ficar para contar a história.

Poucas vezes me vi sem saber o que dizer. Como no primeiro beijo.

- Oi.
-...
- Tudo bom?
-...
- Você fala?
-...
- Tudo bem. Se você não fala, não vai contar para ninguém. Me dá um beijo.

E uma menina que se preocupava com o que o mundo ia pensar dela, tinha acabado com a inocência de uma criança. Criança que descobriu a vida, e começou a beber e a fumar porque seu grande amor descobriu que ela falava. E de um beijo, morreu uma grande pessoa. Assim como de umas poucas palavras, morreu um texto que prometia um grande futuro.

Calvin e Haroldo



(cliquem na tira para ver de um tamanho legível)

Finalmente o prozac do Calvin fez efeito. Será que foi por isso que acabou a tira?

segunda-feira, dezembro 26

Odes à Boceta

Dois poemas escolhidos a dedo. O Donna Mi Priega 88 do Leminski não está completo. Mas com liberdade poética eu cortei a parte que desvirtuava do tema do post.


Donna mi Priega 88

se amor é troca
ou entrega louca
discutem os sábios
entre os pequenos
e os grandes lábios

(do mestre Paulo Leminski)


Boceta

da entrada à entranha
dessa eterna
morada
da morte diária
molhada
de mim
desde dentro
o tempo
acaba


entre lábio e lábio
de mucosa rósea
que abro
e me abra
ça a cabe
ça o tronco
o membro
acaba o tempo


(Arnaldo Antunes)

quarta-feira, dezembro 7

Dedicatória

Peter nasceu em uma manhã chuvosa do fim de abril. Touro. Malditos touros. Nasceu em um ano do cão segundo os chineses. Teimosos. Teimam em tentar ser o melhor. Teimam em ajudar os outros. Teimam em querer melhorar o mundo. Teimam.

Peter cresceu achando que tinha que ajudar o mundo a não deixar que ele pulasse de uma janela do oitavo andar de um prédio e se espatifasse no terreno baldio vizinho com o corpo inerte.

E enfrentou tudo e todos. Não se abalava por nada. Pensava no futuro. Em um futuro.

Fez planos e se esforçou o máximo para que o futuro fosse melhor que o passado. A preparação para um futuro perfeito dependia de um trabalhoso presente. E ele trabalhou. Até quando qualquer pessoa normal já teria desistido ele continuava. Ele forçou coração, nervos e músculos a dar seja o que for que neles ainda tivesse de força e seguiu adiante.

E isso começou a deixar Peter cansado de tudo e de todos. Ninguém entendia que ele já não tinha a mesma capacidade de ser perfeito para os outros como ele costumava ser. Mas cobravam mesmo assim.

E aos poucos ele viu todas as coisas pelas quais ele tinha dado a vida tinham sido estraçalhadas em momentos de egoísmo alheio. Egoísmo que ele nunca teve e não entendia.

E ele viu sua vida ser destruída por pessoas que ele ajudou antes. As pessoas que viraram as costas quando ele mais precisou.

E não restou saída para Peter senão voltar para casa. Voltar para o b612.

Para Peter esse blog é dedicado. Now Just Rest In Peace, you deserve it.